Propina na educação financiou campanha de Richa, diz delatora

Publicado em 12 de janeiro de 2016

Carta Capital

O dia 29 de abril de 2015 ficará registrado na história do Paraná como um dos mais tristes e reveladores episódios de como a educação é tratada por governantes no País. Em frente à Assembleia Legislativa, em Curitiba, cerca de 200 professores foram agredidos por policiais militares quando protestavam contra uma proposta de mudança no sistema de previdência estadual.

As imagens de professores ensanguentados correram o mundo. O governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), chegou a dizer que os policiais teriam apenas se “defendido” .

A confusão de conceitos entre democracia, pedagogia e violência parece fazer parte da rotina do governador. Alvo de uma ação de improbidade administrativa pelo Ministério Público por ter, segundo a investigação, se omitido no caso, Richa disse “lamentar” a propositura do processo.

A evolução dos indicadores da educação no Paraná mostra que quem tem mesmo a lamentar no Estado onde governa pelo segundo mandato são os alunos da rede pública. Indicadores do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) mostram que desde 2009 o aproveitamento dos alunos do ensino médio vem caindo. A nota que já beirava a mediocridade naquele ano (3,9) caiu (para 3,6) em 2011 e despencou em 2013 (3,4).

Dinheiro é o que não falta, pelo menos nos bolsos do tucano e de seus aliados, segundo afirmam testemunhas e delatores de uma investigação do Ministério Público do Paraná batizada oportunamente de “Quadro Negro”.

A apuração mostra uma operação engenhosa criada para que recursos que deveriam servir para construir escolas acabassem como fonte de financiamento da campanha de Beto Richa para sua reeleição e de políticos ligados a seu governo. As provas estariam em diálogos gravados, nos quais seria acertado o repasse do dinheiro dos contratos para as campanhas dos políticos.

A história que vai ser contada agora começa faz quase 20 anos e mostra uma rede de relações incestuosas envolvendo políticos, empresários, laranjas e corrupção, muita corrupção.

Os detalhes da investigação constam na denúncia do MP e no inquérito em posse da Procuradoria Geral da República e vídeos de depoimentos, aos quais CartaCapital teve acesso com exclusividade, encaminhados faz duas semanas a Rodrigo Janot. Um dos personagens centrais nessa história e que hoje se diz “inimigo” de Beto Richa é o empresário Juliano Borguetti, irmão da vice-governadora e braço direito de Richa, Cida Borguetti.

Para entender quem é Juliano é preciso incluir mais um nome nesse enredo. Juliano é muito próximo de um executivo chamado Eduardo Lopes de Souza, dono da Valor Construtora e Serviços Ambientais, a quem chama de “amigo” e diz já ter lhe ajudado em diversas ocasiões.

Os dois trabalharam juntos na campanha a governador de Jaime Lerner no início dos anos 90 e desde então estreitaram seus laços de amizade aproximando os interesses públicos e privados. Borguetti passou os últimos 22 anos pulando de órgão público em órgão público até assumir a cadeira de vereador em Curitiba em 2008. Como não foi reeleito em 2012, ganhou de bonificação um cargo de superintendente dentro da Secretaria de Planejamento do Estado por conta do laço de família com a vice-governadora.

Borguetti acabou exonerado após ser flagrado em uma briga envolvendo torcedores do Atlético Paranaense e Vasco no final de dezembro de 2013. O irmão da vice-governadora decidiu então se voltar novamente para a seara dos negócios privados.

Dono de quatro apartamentos em Curitiba, sendo três alugados, um em uma das áreas mais caras na cidade, o bairro do São Francisco, é detentor de uma renda só com alugueis na casa de 8 mil reais. O patrimônio declarado à Justiça eleitoral em 2012 foi de 482 mil reais, mas segundo as investigações, os imóveis valem juntos pelo menos dois milhões de reais.

Preso no final do ano passado, mas já solto pela justiça do Paraná, Borguetti seria o encarregado de intermediar os interesses da Valor Construtora e Serviços Ambientais Ltda junto ao Estado.

De acordo com uma das testemunhas, Borguetti era quem “ajudava” a acelerar os pagamentos de contratos para a construção de escolas, que, segundo o MP, em alguns casos sequer chegou a sair do papel. O esquema teria causado um rombo de pelo menos 18 milhões aos cofres do Estado. Borguetti receberia uma mesada de 15 mil reais pelo serviço. Apenas um troco perto do grosso do esquema.

Quem conta os detalhes da engenharia financeira por trás da operação é uma advogada de Eduardo. Úrsulla Andrea Ramos trabalhou como procuradora da construtora, mas, para o MP, também ajudou a lavar dinheiro do esquema. Surpreendida por uma busca e apreensão em sua casa no final do ano passado, a advogada foi até o MP prestar depoimento sobre o seu suposto envolvimento no caso.

Assustada, Úrsulla chegou acompanhada de dois advogados e de um representante da OAB-PR. Alegando inocência, a advogada contou que se tornou próxima do dono da construtora e acabou conhecendo de perto detalhes da vida de Eduardo.

Os detalhes dessa história, o envolvimento do governador Beto Richa; do presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, Ademar Traiano (PSDB), do ex-chefe da Casa Civil de Richa e conselheiro do TCE, Durval Amaral, e do deputado estadual e primeiro secretário do legislativo paranaense, Plauto Miró (DEM), você lê na íntegra e os principais trechos do depoimento da investigação na edição de CartaCapital que começa a circular nesta sexta-feira 8. Segundo Úrsulla, Eduardo é um homem bomba e registrava todos os encontros com os políticos: “ele tem todas essas conversas gravadas”.

Outro lado

O governo do Paraná informou que “as irregularidades que envolvem a construtora Valor foram descobertas por sistemas internos de controle do Governo do Paraná e se transformaram numa sindicância aberta em maio de 2015 pela Secretaria de Estado da Educação e, em seguida, em inquérito aberto pela Polícia Civil. Desde o início, o Governo vem tomando todas as medidas necessárias para apurar, punir desvios de conduta e recuperar recursos desviados. Os bens de todos os envolvidos foram bloqueados pela Justiça, a pedido da Procuradoria Geral do Estado. Todos os servidores públicos suspeitos foram demitidos ou exonerados de seus cargos.”

O TCE informou que o conselheiro Durval está de férias no norte do Estado. Segundo a Corte, em novembro do ano passado, o TCE-PR determinou suspensão de contratos de sete escolas em que foram apontados indícios de fraude nas medições, com o pagamento de serviços ainda não executados. Seis são da Valor Construtora e Serviços Ambientais Ltda.; e uma da Machado Valente Engenharia. Na Assembleia Legislativa do Paraná foi informado que não há ninguém para tratar das investigações envolvendo os deputados e que o recesso termina apenas em 20 de janeiro.

O PSDB do Paraná informou que não recebeu nenhuma doação da construtora Valor.

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