Publicado em 4 de julho de 2017
Enio Verri
O grande acordão, com o Supremo, com tudo, teve sua feição mais bem definida desde as últimas decisões do Supremo Tribunal Federal (SFT). A máxima de Rui Barbosa sobre a irrecorribilidade quando sob a ditadura do Judiciário berra aos ouvidos despolitizados da nação. As decisões sobre o deputado Rocha Loures e Aécio Neves são mais gestos exarados do Judiciário que reforçam a desconfiança da opinião pública de que, no Brasil, desde a sua fundação, há justiça para uns e leis para outros. A lei é manipulada para manter intactos os interesses das elites.
Para uns, materialidades escandalosas como gravações audiovisuais da Polícia Federal (PF), captadas em conversas às escondidas, o uso do avião da Força Aérea Brasileira para transportar dinheiro e maleta rastreados eletronicamente e mais a mula encarregada da entrega, nada significam. Em relação ao senador Aécio Neves, não há por que restringir as atividades parlamentares a um senador cujas condições de acusação são as mesmas que levaram à prisão e perda do mandato do ex-senador Delcídio do Amaral.
A materialidade da devolução de R$ 35 mil de um dinheiro comprovadamente oriundo de corrupção, em que está envolvida o presidente da República, só pode ser ignorada por um Judiciário comprometido até à última alínea das matérias que lhe dizem repeito. Um Judiciário que expõe, a cada decisão, que tem lado. A Lei é aplicada conforme o espectro ideológico do acusado.
Essa escancarada parcialidade do Judiciário, que fez a democracia tropeçar à beira de um precipício, só é possível mantendo a despolitização da nação com a intensa participação de uma imprensa interessada nas propostas políticas dos parlamentares objeto das mais recentes decisões do STF. O proselitismo partidário do Judiciário é uma afronta inominável, em primeiro lugar, à nação e, mais objetivamente, a centenas de milhares de servidores desse Poder, que honram o seu nome e edificam a justiça, com dedicação, à sua mais plena aplicação.
O Brasil é uma nação sob um golpe de Estado, que não sabe reagir aos desmandos de uma elite secularmente assentada nos poderes, de onde manejam suas chaves para manter os seus privilégios. Uma elite que deve bilhões aos trabalhadores e legisla para provocar a maior desregulamentação de condições mínimas de trabalho, desconfigurando mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que tem 74 anos. Destituem direitos conquistados com suor e sangue dos brasileiros, num país onde 71% dos trabalhadores recebem apenas dois salários mínimos.
Enfrentar o Executivo e o Legislativo seria possível se o Judiciário não estivesse umbilicalmente ligado ao golpe de 2016. A mão pesada do Judiciário sobre quadros do Partido dos Trabalhadores (PT), ao tempo que também a estende, servil e generosa ao PSDB, especialmente, revela a tirania que impede o florescimento da democracia. Rui Barbosa também disse que “…fora das leis, não há salvação”. Desde 2016, o Brasil está sem lei, sem a Constituição Federal de 1988 e a Lei tem sido manipulada em favor de um seleto grupo de brasileiros.
Um passivo histórico de despolitização negada pelo Estado cobra o seu preço ao mesmo que é mantido por autoritarismo do Judiciário. A incapacidade política de centenas de movimentos sociais mobilizarem uma consciente força popular acerca da conjuntura política, capaz de tomar os poderes e exigir eleições diretas bem como uma constituinte cidadã e soberana, é asseverada quando o poder Judiciário os criminaliza por questionarem a injustiça nas ruas.
Por outro lado, como num passe de mágica, iminentes e contundentes processos de investigação contra Aécio Neves e Temer foram solenemente ignorados pelo STF. O silêncio dos despolitizados, tanto dos que não tiveram acesso à informação, quanto dos que sempre tiveram, sustenta essas ignomínias contra a democracia e a soberania do Brasil. Não há quem reclamar quando se vive sob a tirania do Poder Judiciário, elevado a oásis social sob a proteção da mídia. Somente a permanente ocupação das ruas e a ininterrupta denúncia contra o conluio entre os três poderes, podem devolver a democracia ao País. Do contrário, seguiremos assistindo a condução do País e sua gente à categoria de nação de segunda classe. E assim seremos tratados pelo mundo.
*Enio Verri é professor de Economia licenciado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores do Paraná (PT/PR).