Publicado em 22 de janeiro de 2019
O novo governo tem duas equipes bem definidas, que funcionam em completo entrosamento com a desastrosa família presidencial. Uma entrega a nação ao desenvolvimento de outras nações e ao mercado financeiro, a outra entretém a sociedade com ideias e comportamentos retirados da Idade Média ou da ficção científica de guerras entre mundos. Já a família Bolsonaro ainda não explicou o caso Queiroz, impressionantemente blindado. Desde 2016, os brasileiros que foram às ruas para retirar do governo o Partido dos Trabalhadores (PT) deveriam perceber que não o fizeram numa cruzada contra a corrupção, mas, sim, porque foram inoculados, diariamente, com generosas doses de ódio destilado pela elite financeira, que determina a pauta dos grandes veículos de comunicação, caixa de ressonância das suas pautas de Estado Mínimo.
Não se completou um mês dos mais de três que ainda faltam para os primeiros 100 dias e já se ouve a palavra “impeachment”. Criticam a inteligência dos Bolsonaros, mas eles convenceram 58 milhões de brasileiros, que se encontram, assim como os conscientes, inertes. A nação não reage à submissão da soberania aos interesses internacionais nem ao castigo criminoso e desumano imposto pela aplicação radical do programa derrotado, em 2003-2011 e 2012-2015, como as reformas trabalhistas e da Previdência, por exemplo. Porém, mesmo diante do desmoronamento do mito, a maior parte das pessoas ignora a conjuntura, quando não a defende.
A proposta da carteira Verde e Amarela é um crime contra as minimamente justas conquistas trabalhistas, em vista do crescente lucro dos proprietários dos meios de produção. Ela já vem sem os mais de 100 artigos suprimidos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Os empresários não contratarão mais pela carteira Azul. A precarização das relações entre o capital e o trabalho será um duro golpe contra a Seguridade Social. Com a terceirização e o contrato temporário, a classe trabalhadora terá de optar entre recolher para a aposentadoria, ou comer. O negociado sobre o legislado é a completa submissão da força de trabalho aos interesses do mercado. Bolsonaro estava na Câmara dos Deputados e votou a favor de mulheres trabalharem em lugares insalubres.
As reformas trabalhista e da Previdência serão a indigência da classe trabalhadora, que vai experimentar o que os idosos do Chile passam com o plano de capitalização, instalado durante uma crudelíssima ditadura militar, pelo qual recebem menos de um salário mínimo. O trabalhador deposita individualmente em uma conta administrada por bancos e fundos de pensão, que aplicarão no mercado financeiro, e não no bem-estar da sociedade, como manter hospitais e postos de saúde. A supressão das regras trabalhistas, em meio a um gigantesco desemprego, oferecerá ao mercado um grande contingente de mão de obra disposto a se submeter a condições aviltantes de trabalho. A insatisfação e a constante busca por melhores condições provocarão alta rotatividade, impedindo que os trabalhadores recolham regularmente para o plano de capitalização. Isso vai se refletir na sua aposentadoria, que pode vir a ser meio salário mínimo, como ocorre no Chile.
Enquanto avança o processo de miserabilização da classe trabalhadora, os entreguistas de plantão vendem o que não lhes pertencem. Fontes de energia e ferramentas industriais, ambas de propriedade da nação brasileira, fundamentais para a construção de uma sociedade soberana e inclusiva, estão sendo entregues, com o Supremo Tribunal Federal, com tudo. Recente decisão da Suprema Corte, autoriza a Petrobras voltar a vender mais de 250 campos de petróleo e gás, sem licitação. A direção entreguista da empresa também venderá a Transportadora Associada de Gás (TAG), da Araucária Nitrogenados (Fafen-PR). O pré-sal está sendo entregue em estado bruto, a R$ 0,26 o barril, quando o mercado está pagando mais de US$ 60. O Brasil possui refinarias, mas estamos entregando óleo cru e comprando os derivados.
O transe no qual se encontra o Brasil custará muito caro à nação, principalmente para a classe trabalhadora. O País tem matéria-prima e tecnologia para fornecer ao mundo produtos com alto valor agregado. A Embraer, por exemplo, é líder no mercado de jatos para até 130 passageiros e ex-dona do vitorioso cargueiro KC 390, cujos 49% do projeto os militares brasileiros assistiram bovinamente serem entregues à Boeing, assim como os 80% da empresa. O projeto ultraliberal transformará o Brasil em eterno produtor de commodities. Reconduzirá o Brasil aos gloriosos tempos do carro de boi. Nesse sentido, a classe trabalhadora voltará ao tempo em que era social e legalmente aceito trabalhar por um prato de comida. Reagir é vital, não se pode retroceder.
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Enio Verri é deputado federal pelo PT e professor licenciado do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM).